Ocupação Penaforte Mendes, Distrito Bela Vista, Subprefeitura Sé

Amarilis tem 25 anos, solteira, indígena, trabalha em um hospital como técnica de farmácia e cursa o primeiro ano da mesma universidade. Nascida e criada em São Paulo, mora na comunidade há 4 anos, por indicação de sua mãe que já mora no local há 6 anos. Acorda cedo para ir trabalhar e conta que passou por situações difíceis, até o momento da instalação da bomba e das caixas de água. Antes faltava bastante água no edifício.

“…a água vem da rua, volta pra caixa por bomba e depois distribui.”

“…agora eu moro no segundo andar, mas antes eu morava no terceiro andar e a água não chegava. Eu pegava uma mangueira emprestada com o porteiro aqui do lado e eu levava a água lá pra cima. Senão não tinha como lavar a roupa. Isso antes da instalação da bomba né”

“…não tenho máquina. Tenho medo de despejo, então mantenho uma casa de aluguel no Campo Limpo. As peças pequenas lavo na mão, mas as grandes levo para o Campo Limpo nos fins de semana.”

“Tem ocupação que é muito ruim… aqui tem vezes que falta, mas não é como em outras ocupações que o pessoal fica 2 dias sem água.”

“As pessoas falam que chegou de madrugada e não tinha água. Mas eu tô dormindo então eu não sei né.” 

Dona Rosa, 62 anos, negra, nascida em Maracás na Bahia. Chegou em São Paulo em 1990 e desde então trabalha como doméstica. Trabalhava em uma casa de família, mas com o começo da pandemia ficou desempregada. Atua no movimento social MMC há mais de 15 anos e está na ocupação desde o seu primeiro dia. Mora somente com seu companheiro em um regime de união estável. Se envolveu com o MMC para sair da situação de aluguel.  No início não havia água encanada no edifício, portanto, pegava água com balde no albergue do lado. Com relação às outras ocupações, hoje falta muito menos água. Depois que compraram as caixas e a bomba tudo melhorou. Hoje todas as torneiras estão ligadas nas caixas e na rede que vem da rua. Mesmo assim, compra água mineral potável para beber. Lavas as roupas nas terças e quintas-feiras pela manhã, pois gosta de fazer este tipo de atividade logo cedo. 

Margarida, 23 anos, solteira, negra, trabalha como manicure em um salão de beleza. Natural de São Paulo, ela mora na ocupação com mais 2 pessoas, uma delas seu filho, há 6 anos. Conta que no início, logo que chegou, que foi bem difícil pois sempre faltava água e precisavam tomar banho com balde e canequinha, por meio de água emprestada do albergue vizinho.

“No início tivemos um ano sem água só com balde na cabeça.”

Sobre o abastecimento de água na pandemia: “Piorou porque a Sabesp não legaliza e quando chove é um socorro.”

“Quando falta água ou compro, ou vou no vizinho que é um albergue público.”

“Muito difícil né velho. Porque difícil. Porque o poder público, além de (a)morosidade do poder público, tem o problema de o poder público não querer atender as reinvidicações do povo. que a primeira coisa que eles dizem é que é um bando de vagabundo, invasores, sem querer trabalhar, desempregados… e não é verdade isso.”

“Cada movimento tem sua principal preocupação. Mas para nós a água e a luz sempre foi motivo de preocupação. O ser humano não vive sem água e sem luz.”

“Sabesp deve estar puta da vida porque os cara tão gastando água sem pagar. É verdade. Porque eles não querem legalizar a água do povo. Eu defendo a legalização da água e da luz. E eu defendo que se for preciso a gente paga IPTU. Eu defendo isso. No dia que esse povo virar dono, eles terão que pagar água, luz e IPTU.”

Liderança, Seu Antúrio, homem negro, de 71 anos e meio, educador popular do movimento, participa da luta por justiça social desde os seus 14 anos, tanto em movimentos rurais como em urbanos. Hoje não mora mais em nenhuma ocupação, mas acompanha as três ocupações do movimento desde sua criação em 1986. Para ele, ser humano não vive sem água, principalmente na cidade, portanto, é uma demanda da comunidade desde sempre. Nenhum morador paga conta de água na Ocupação PenaForte, pois todas as conexões entre o edifício e a rede pública serem informais. 

Durante a pandemia, por falta de auxilio da Sabesp, os próprios moradores que se organizaram para a instalação de equipamentos de higiene. Não houve ações da Sabesp ou da Prefeitura para garantir o acesso à água por todos. 

A Ocupação Penaforte Mendes está localizada na região central da cidade de São Paulo, na Rua Doutor Penaforte Mendes número 30, em um edifício de 6 pavimentos. O edifício originalmente comercial, foi ocupado pelo movimento MMC (Movimento de Moradia do Centro) no dia 2 de setembro de 2012 e hoje vivem nele 30 famílias. O MMC é um movimento de luta por moradia que foi criado em 1986 e que hoje auxilia famílias em 3 ocupações, contando com a Ocupação Penaforte Mendes.

A infraestrutura para o abastecimento de água e coleta de esgoto no edifício é bastante homogênea, principalmente por se tratar de uma construção vertical e por já existir no prédio toda uma rede de água e esgoto construída. Todas as conexões entre a rede pública e o edifício foram feitas por “gatos”, incluindo o esgotamento sanitário. Parte da infraestrutura do edifício foi reaproveitada e outra parte foi autoconstruída e financiada pelos próprios moradores, como a aquisição de uma bomba e a implementação de reservatórios de água inferior em caixa de fibra e superior em caixas de concreto. Os banheiros são coletivos organizados por gênero e estão localizados no corredor público de cada andar. Existe um banheiro masculino e um feminino com chuveiro, pia e vaso sanitário  em cada pavimento do edifício. O tanque de lavar roupa e a máquina de lavar roupa também se encontram no corredor. A única rede que é privada de cada unidade habitacional é a da torneira da cozinha.

Os moradores não têm problema de água para tomar banho, lavar roupa ou cozinhar, pois, apesar de informal, todas as redes de água e esgoto do edifício estão ligadas na rede pública. Eles compram água engarrafada para beber e escolhem o momento de lavar roupa de acordo com a disponibilidade das tarefas diárias e da vazão de água no edifício. Normalmente existe o corte de água pelas noites até de manhã.

Todas as melhorias construtivas e de instalação e limpeza tem sido feita pelos próprios moradores. Apesar da rede pública estar ligada ao edifício, os moradores não possuem seu acesso formal, ou seja, não pagam pela conta da água e não são reconhecidos pela companhia de abastecimento como usuários. Assim, os moradores não reivindicam seus direitos em momentos de falta de água. Pela visão da liderança, a questão da água e do esgoto (questões sanitárias) surgem como prioridades junto à outras demandas.

Fotos: Veridiana Godoy e Fernando Botton