São Savério / Conjunto Habitacional Jardim Celeste, Distrito Sacomã, Subprefeitura Ipiranga

Dona Sofia tem 53 anos, solteira, negra, trabalha como auxiliar de limpeza. Baiana, mora na comunidade há 10 anos, onde comprou um barraco para sair do aluguel. Ela mora com 4 pessoas. Todos os dias acorda de madrugada para buscar água nas torneiras das vielas, pois a sua caixa d’água está sempre vazia, a água nunca chega para enchê-la. Tem chuveiro, mas toma banho de balde e canequinha, pois nunca tem água. 

“Tem torneira, água não.”

“Não ficou nenhum dia sem ir trabalhar por causa disso, porque nós resolve é pegando água de madrugada nos balde e botando dentro de casa. Por que não pode ficar sem trabalhar.”

“Não fico sem água em casa porque eu carreguei balde para encher, lavar as coisas, dar banho nas crianças.”

Dona Julia, solteira, negra, 30 anos, mãe de duas crianças, uma com 5 meses. Nascida em São Paulo, mudou-se para a comunidade há 15 anos, quando perdeu o seu barraco num incêndio. É autônoma e está parada se recuperando do parto de sua filha. Recebe auxílio do Bolsa Família. Não tem caixa de água e, quando a água falta, busca na torneira da rua ou conta com a ajuda da família e dos vizinhos para tomar banho. Normalmente, a água chega à noite e não tem faltado tanto como antigamente. Compra água engarrafada para as crianças e toma água da torneira. Ela guarda água da chuva em galõezinhos. Gostaria de pagar pela conta da água para ter água em casa, da mesma forma que ela tem luz. 

Dona Ana, solteira, baiana, negra, com 40 anos, mora com a filha na comunidade. Hoje, está desempregada e recebe auxílio emergencial. Mudou-se para a comunidade em 2003, após receber uma indenização por ter sido demitida de uma loja quando estava grávida. Com esse dinheiro comprou o barraco e saiu do aluguel. O barraco já possuía ligação clandestina com rede da Sabesp. A moradia tem uma caixa d’ água de 500 litros e Ana não armazena água de outras formas. Mas, não tem água constantemente e pega água “emprestada” com frequência.

“Então as pessoas que já moravam aqui tinham ligações clandestinas. E existem essas ligações até hoje e as pessoas têm, só que a estrutura é muito pouca para muita gente, a estrutura é muito precária.”

“Aqui na comunidade a gente tem uma pauta grande de reivindicações e a gente sempre pauta a falta de água e também os valores das contas que vem muito alta, não só de água, mas de luz e também cobramos a campanha de saneamento básico, (…) a grande maioria dos esgotos são a céu aberto e isso prejudica muito não só a população, mas as crianças que vivem nessa comunidade porque facilita a contaminação e a bactéria para doença não só para o ser humano mas também para os animais.”

Liderança, Dona Antonia, mulher negra, de 56 anos, advogada e educadora, participa de movimentos de moradia há mais de 30 anos. Mudou-se para a comunidade ao participar da construção em mutirão, em 1995. Participou da compra de uma adutora para garantir o abastecimento de água para o bairro. Para ela, o bairro tem infraestrutura e abastecimento de água. A maioria das casas possui caixa d’água. O maior problema é a dificuldade dos moradores em pagar as contas de água. Durante a pandemia muitos deixaram de pagar e, apesar da negociação com a Sabesp, tiveram o sistema de abastecimento suspenso. Não houve ações da Sabesp ou da Prefeitura para garantir o acesso à água por todos. 

O Jardim São Savério é uma comunidade que se transformou em 1990 com a construção em regime de mutirão autogerido de um conjunto habitacional para 501 famílias, além da autoconstrução de diversas casas. Hoje, segundo as entrevistadas, o Conjunto Jardim Celeste apresenta cerca de 1.153 unidades (652 apartamentos e 501 casas) e em torno de 5.000 pessoas. Nos 3 bairros (Jardim São Savério, Parque Bristol e Vila Liviero) existem pelo menos 20 favelas que continuam em expansão. No total, vivem no bairro em torno de 20 mil pessoas.

A infraestrutura para abastecimento de água e coleta de esgoto estão presentes no setor do bairro onde estão os conjuntos habitacionais. Parte desta infraestrutura foi financiada pelos moradores no início da construção dos primeiros conjuntos como a aquisição da adutora, entretanto, as favelas já não apresentam esta infraestrutura e o seu acesso à água e coleta de esgoto é via uma rede informal e em baixíssima frequência. Tanto canos como baldes são utilizados para trazer água para dentro do domicílio. Existem caixas de água, mas permanecem grande parte do tempo vazias. Tem chuveiro, pia e vaso sanitário no domicílio, mas banho de chuveiro só quando tem água. 

Para garantir água em casa, os moradores combinam uma série de estratégias como pegar água emprestada, tomar banho e lavar roupa na casa de vizinhos e parentes, pegar água com balde das torneiras existentes nas vielas. Por fim, armazenam água da chuva em galõezinhos, compram água engarrafada para beber, principalmente para as crianças e escolhem o momento de lavar roupa de acordo com a disponibilidade da água e o quanto de pessoas estão utilizando.

Os principais problemas no bairro hoje são a dificuldade de pagar as contas de água para aqueles que têm abastecimento de água em casa, enquanto para aqueles que vivem nas favelas o maior problema é a pouca água disponível e a sua intermitência, a ponto de a caixa de água não resolver o problema.     

Fotos: Marilene Ribeiro de Souza e Sheila Cristiane Santos Nobre